Botucatu, terça-feira, 29 de Abril de 2025

Colunista Nelson Ferreira Junior Professor de Língua Portuguesa/Redação
22/09/2017

Éticas em confronto



Imagem: “Travesti da lambada e deusa das águas” (2013), de Bia Leite - Pintura acusada de instigar a pedofilia

 

Quando nascemos, somos inseridos em um mundo em que os valores morais nos são determinados como os verdadeiros, como a única forma correta de se agir. Ou seja, quaisquer pensamentos, atitudes diferentes são rechaçados como impróprios, imorais, errados. Já há alguns séculos, pensadores vêm refletindo sobre a natureza humana, e sobre como a sociedade age sobre ela. Na segunda metade do século XIX, o filósofo alemão Friedrich Nietzsche fez várias críticas a essa negação que - ao aceitar, e se submeter à moral inventada pela sociedade - o ser humano faz de si mesmo. De acordo com Nietzsche "os homens inventaram o ideal para negar o real".

Este mundo a que somos submetidos desde nosso nascimento, tenta nos impedir de ver que há outras perspectivas, de que as coisas podem ser diferentes; como, por exemplo, podemos relembrar a dificuldade que foi para o homem aceitar que a Terra não era quadrada, e sim redonda, ou então que era ela que girava em torno do Sol, e não o contrário.

Na primeira quinzena deste mês, o Santander Cultural de Porto Alegre cancelou a exposição "Queermuseu: cartografia das diferenças na arte brasileira", cujas obras abordavam questões de gênero e de diversidade cultural. Acusadas de promoverem pedofilia, zoofilia, ofensas religiosas, a mostra foi cancelada um mês após ser aberta ao público.

É necessário dizer que houve muitas interpretações erradas das obras artísticas. A obra acusada de instigar a pedofilia, na verdade apresentava o desenho de crianças sendo ofendidas, sofrendo bullying por terem comportamentos homossexuais. O trabalho que apresenta relações sexuais, inclusive zoofílicas - por mais que sejam contra a moral predominante em nossa sociedade -, retrata o desejo e a prática de muitos seres humanos. Eu posso ser contra, mas se trata de algo que existe em muitas pessoas; isso é fato.

Todavia essas obras ofendem a moral de muitos, por isso sofrerão críticas, seja por uma interpretação equivocada, seja por uma interpretação adequada. Quem vive sob a moral mais conservadora dificilmente conseguirá ver que as obras buscam demonstrar que nós somos diferentes, mas que essas diferenças não nos fazem superiores e inferiores; apenas somos diferentes e o preconceito deve deixar de existir. Por outro lado, quem conseguiu ver que a moral de maior prestígio social é apenas uma moral, e não necessariamente a verdade, também está sob um valor ético, o de que "o ser humano deve seguir seus desejos, não deixando que normas sociais pré-estabelecidas impeçam a real essência do ser". Essa ética, muitas vezes, o impede de ver que muitos dos trabalhos artísticos ofendem quem pensa diferente, e que essa ofensa pode criar um sentimento de aversão maior ainda.

Quando Nietzsche afirmou que os homens inventam um ideal e negam o real, ele criticou o fato de nos submetermos às normas sociais e de não só abandonarmos, como também negarmos nossos verdadeiros desejos, nossa natureza. Isso é verdade, acontece mesmo. Entretanto podemos utilizar a frase concordando em parte com o filósofo, ampliando a reflexão: os que seguem a moral mais conservadora, muitas vezes, se anulam, e são infelizes por não viverem o que realmente são; mas muitos daqueles que lutam contra o conservadorismo, também estão sob uma moral: a de que os impede de ver que suas atitudes de tentativa de mudança social podem ofender o outro de maneira semelhante, por exemplo, ao preconceito sofrido por seguidores de religiões não cristãs.

Estamos todos na mesma sociedade museu, repetindo histórias que inventam ideais e negam a realidade...










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