Botucatu, terça-feira, 29 de Abril de 2025

Colunista Nelson Ferreira Junior Professor de Língua Portuguesa/Redação
10/10/2017

Precisamos falar sobre Leviatã



Noite de primeiro de outubro de 2017. O cenário é um festival de música country em Las Vegas, EUA. Mais de vinte mil pessoas se divertem no evento da cidade conhecida pelas luzes, pelos shows, pelos cassinos. A música animada é interrompida pelo som de disparos de arma. O cantor, a banda param de tocar. Pessoas se jogam no chão, tentam se proteger, tentam correr, fugir; o pânico toma conta do lugar... Durante quase dez minutos, do trigésimo segundo andar de um hotel ao lado, um homem de 64 anos de idade, Stephen Paddock, atira sobre a multidão, com rifles automáticos, causando a morte de 58 pessoas e deixando mais de 500 feridos. Familiares e amigos não conseguem entender como Paddock, um homem de temperamento, atitudes normais foi o responsável pelo maior ataque a tiros em massa da história dos Estados Unidos.

A tragédia ocorrida, recentemente, na nação comandada por Donald Trump, faz a população do país em que o porte de armas é liberado, refletir melhor sobre essa lei. Até o presidente, defensor do direito a ter armas, disse que o país irá “falar sobre leis de armas com o passar do tempo”. Estados Unidos é o país desenvolvido, com mais mortes causadas por armas de fogo, são mais de 30.000 por ano. Trata-se de uma nação da qual uma em cada três famílias possui uma ou mais armas em casa.

Enquanto isso, aqui em terras brasileiras, grande parte da sociedade defende o direito do indivíduo à posse de armas. Políticos de nossa nação buscam essa mudança em nossas leis. O pré-candidato à presidência Jair Bolsonaro é um dos grandes defensores. E chegamos a uma indagação: se, atualmente, o Brasil, mesmo com a proibição ao porte de armas, possui cinco vezes mais mortes por homicídio que os Estados Unidos, o que aconteceria se a lei fosse alterada...

Há quase quatro séculos, o filósofo inglês Thomas Hobbes publicou uma obra chamada “O Leviatã”. Nesta, o pensador fez uma metáfora entre o monstro mitológico Leviatã e o Estado. A origem do monstro é um pouco obscura, mas podemos encontrar algo sobre ele no texto bíblico. Neste, ele é descrito como um monstro marinho, mas que também pode ser interpretado, de maneira simbólica, como a figura do demônio. Na obra de Hobbes, o filósofo levanta a teoria de que o ser humano é mau por natureza e, com medo de ser atacado por outro ser humano, abre mão de sua liberdade natural (que é má), submetendo-se a um poder maior: o Estado - denominado por Hobbes como Leviatã -. Seria uma troca da liberdade por segurança.

Vivemos tempos em que o Leviatã, o Estado, não cumpre seu papel, não está garantindo a segurança ao homem, e, dessa forma, o Contrato foi quebrado: o brasileiro busca outras formas de se defender; validando, assim, frases famosas do inglês Thomas Hobbes: “é a guerra de todos contra todos”; “o homem é o lobo do homem”... Mas essa busca por uma autodefesa não seria também uma volta do homem ao seu estado de natureza, que, segundo Hobbes é mau? Não seria, consciente, ou inconscientemente, uma forma de pôr em prática sua vontade de dominar, de fazer o mal?

A violência é algo que fascina o ser humano desde os mais antigos tempos. Para aqueles que creem na Bíblia, temos o exemplo de Caim que matou seu irmão Abel, ou da heroica vitória do pequeno Davi sobre o gigante Golias. Na época do Império Romano, as pessoas se reuniam em anfiteatros, como o Coliseu, em Roma, para ver gladiadores se matarem. Hoje, é prazeroso ver lutadores de Vale-tudo, em um octógono, se digladiando até que um seja derrotado; nos vemos neles e “expurgamos” nossos sentimentos de violência. Pois é, talvez a natureza humana seja má, como acreditava Hobbes... Podemos pensar em um exemplo mais dócil, mais puro, mais ingênuo, como uma criança que coloca um inseto em um ninho de formigas para vê-lo sofrer, tentando fugir, sendo atacado e morto pelos pequeninos seres. Se Hobbes estiver certo, a liberação do porte de armas de fogo gera mais violência.

Para outros pensadores da história como, por exemplo, Baruch Spinoza, Hegel e Karl Marx “liberdade é a capacidade de compreensão dos determinismos”; ou seja, ser livre é conseguir compreender que a sociedade tenta nos condicionar, nos moldar, nos influenciar. E aqui lanço outra teoria: talvez Leviatã esteja nos enganando, pois, com a ausência do Estado, é que ele impõe seu verdadeiro domínio: determinar o estado de natureza mau do ser humano. E há aqueles que não conseguem ser livres, compreender que estão sendo condicionados por Leviatã. Muitos destes desejam a legalidade das armas para se defender, mas com o objetivo de dar liberdade à sua verdadeira essência, à sua verdadeira natureza, que é má, que anseia por violência. E há aqueles que alcançam a liberdade e compreendem essa influência, ou aceitando-a, defendendo o direito ao porte de armas e à autodefesa; ou sendo contrários a ela, permitindo que a razão comande os instintos primitivos.

Quanto ao estado de natureza, penso um pouco diferente de Thomas Hobbes: não creio que todo homem seja mau por natureza, que queira impor seu domínio sobre outros, pense apenas em sua felicidade ainda que isso cause sofrimento a outros; mas sim que há naturezas diferentes. Os determinismos, as influências estão ao nosso redor. Não podemos deixar Leviatã comandar nossas vidas. “O mundo jaz no maligno”, mas podemos vencer o mundo.










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