Botucatu, terça-feira, 29 de Abril de 2025

Colunista Nelson Ferreira Junior Professor de Língua Portuguesa/Redação
29/11/2017

Todo mundo tem de jogar junto!



São vários os fatores que fazem das redes sociais um ambiente de disseminação da cultura do ódio. Embora possamos encabeçá-los com o preconceito, a maldade já existentes em alguns seres humanos, não podemos nos esquecer de que, por exemplo, a espetacularização da violência, a divulgação de opiniões como se fossem verdades absolutas, promovidas pela grande mídia, influenciaram e muito a propagação da intolerância nas redes sociais. Até o sistema educacional brasileiro, por não ser voltado ao estudo e desenvolvimento da relação social humanizada, tem grande responsabilidade, haja vista as inúmeras críticas feitas por alunos ao último tema de redação do Enem sobre os desafios educacionais para a formação de surdos no Brasil; tema de extrema importância, mas que não foi compreendido dessa maneira por grande parte de nossos jovens.

Muitos brasileiros gostam de dizer que são um povo mais amigável, mais cordial; entretanto isso mais parece ser uma projeção para esconder seus reais sentimentos e atitudes. Há lugares no mundo em que a cultura é bem diferente da nossa, e sua manifestação nas redes sociais também. O mundo virtual do brasileiro está cada vez mais estigmatizado por preconceito moral, religioso, por bullying, racismo, homofobia, machismo, xenofobia, aversão político-partidária, justiça pelas próprias mãos, preconceitos a classes sociais diferentes, preconceito a usuários de drogas etc.

A internet deu voz aos mais variados tipos de pensamento. As barreiras foram quebradas. Hoje, qualquer possuidor de discursos de ódio encontra outros que pensem da mesma maneira por meio da rede. E, dessa forma, a violência virtual vai crescendo e, muitas vezes, ganhando materialidade no mundo real. Dentre estes que pensam assim, surgem aqueles que, por uma visibilidade maior, acabam se tornando ídolos, “mitos”. Um bom exemplo, em nossos dias, é o do deputado Jair Bolsonaro, pré-candidato à presidência da República, um homem que incita a tortura, o estupro; um homem de falas como “se um filho começa a ficar assim meio gayzinho, leva um couro; ele muda o comportamento dele”.

Falando em mitos, a fim de melhor refletirmos sobre o nosso mundo virtual, podemos nos aproveitar de uma lenda citada pelo filósofo grego Platão, há mais de dois mil anos. Em sua obra A República, Platão nos relata a história de Giges, um pastor que um dia encontrou um anel capaz de torná-lo invisível. Ao tomar posse de tal poder, foi ao palácio real, sequestrou a rainha, matou o rei e se apoderou do trono. De acordo com Platão, o anel significa a capacidade de cometer injustiças com a certeza de não ser punido. É fabuloso perceber que um texto com mais de vinte e três séculos pode servir de alegoria para algo que vivemos hoje. Assim como Giges - ao perceber que estava invisível, fez aparecer sua natureza má -, a internet cria no usuário a crença de que suas ações no mundo virtual não terão consequências, “como se estivesse invisível”, gerando a propagação do discurso de ódio.

Nas redes sociais, o indivíduo se sente o “dono da verdade”, acredita ser um especialista em todas as áreas, de maneira que, por exemplo, em um diálogo virtual, deixa de cogitar a possibilidade de que uma pessoa formada na área sobre a qual estão debatendo, possa saber muito mais do que ele, o qual está, muitas vezes, expondo opiniões apenas por subjetividade, por emoção. Por conseguinte, qualquer ideia contrária à sua não será aceita e também será merecedora de todos os tipos de menosprezo.

Muitos estão confundindo a defesa da liberdade de expressão com a permissão de se poder emitir qualquer opinião, ainda que esta constitua um crime. Calúnia, difamação, discriminação, preconceito são crimes no mundo real e também no mundo virtual. Portanto a defesa da liberdade nestes casos não é válida. O indivíduo pode expressar sua opinião, mas haverá consequências, pois se trata de uma prática contra a lei.

Um caso de injúria racial ocorrido, recentemente, por meio da internet, teve como criminosa uma mulher que se identifica como socialite e escritora de nome Day McCarthy. Já envolvida em casos de difamação, a blogueira que se diz morar no Canadá, postou um vídeo nas redes sociais pelo qual fez um ataque racista a uma criança de quatro anos, filha dos atores Bruno Gagliasso e Giovanna Ewbank.

Lembrar-me deste caso, até me faz ter dificuldade em escrever; parece-me que as palavras não vêm; de repente ficou difícil verbalizar sobre esse acontecimento deplorável... Além disso, não vou reescrever as palavras usadas pela tal blogueira... não consigo... Estou aqui pensando como uma pessoa pode ser tão má ao ponto de querer humilhar, magoar uma criança. A fim de obter seu lugar ao sol no mundo da fama, essa mulher toma uma atitude tão ordinária. Como alguém é capaz de fazer algo tão vil para satisfazer sua vaidade? Talvez ela seja uma pessoa doente... talvez desprovida de intelecto de tal maneira que não consiga perceber o mal que está causando... ou será maldade mesmo? E por mais desvario que seja, a criminosa possui seguidores, pessoas que se manifestaram aprovando as palavras de injúria racial; somente na manhã de segunda-feira, 27 de novembro, após as ofensas, ela ganhou mais de cinquenta mil seguidores em sua conta no Instagram.

A delegada que acompanha o caso afirmou que uma vez que a “vítima do crime é a Titi, além do Bruno Gagliasso e a Giovanna, que são brasileiros e moram aqui, a lei aplicada será a brasileira. Nestes casos, não importa onde esteja a pessoa que cometeu o crime, ela terá que responder à Justiça do Brasil”. Essa cultura de ódio deve ser combatida com educação reflexiva e humanizada, com diálogo, e com a aplicação da lei. Precisamos de mais Brunos e Giovannas. E faço minhas as palavras do pai da garotinha Titi “cabe a gente, que quer fazer a diferença no mundo, de fato fazer, todo mundo tem de jogar junto”; não podemos aceitar os casos de intolerância como se fossem normais. Quanto aos crimes virtuais, é mister coletar as informações (e-mails, fotos de telas, conversas em redes sociais etc.), dirigir-se a um cartório e registrar os arquivos em uma ata notarial, e registrar um boletim de ocorrência em uma delegacia de polícia. A voz do ódio pode ter encontrado vários semelhantes por meio da internet, mas a voz da paz, do respeito, do amor também possui vários seguidores, e as redes sociais também são um meio de união entre nós que buscamos uma sociedade sem preconceitos.










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