Botucatu, terça-feira, 29 de Abril de 2025

Colunista Nelson Ferreira Junior Professor de Língua Portuguesa/Redação
11/08/2018

Mais valia



      Nos últimos meses, a vida de Wellington tem sido assim: após uma noite de pesadelos, o jovem de dezenove anos acorda e ouve em seu celular, pago em doze prestações, uma gravação, um podcast, sobre “vencer na vida”. O rapaz se deixa acreditar de que sua vitória depende apenas de si e não do contexto em que vive.

      Lutando para não se abater, Wellington sai à procura de emprego, todavia a angústia vai tomando conta de seu ser conforme as horas passam, e ele vai percebendo que não tem para onde correr.

      Mas, recentemente, o menino teve uma feliz sensação de que as coisas estavam para mudar. À noite, após mais um dia desanimador, ele liga a tevê no canal 5 e ouve dos apresentadores do jornal que haveria uma Reforma Trabalhista a qual “geraria empregos e continuaria melhorando a economia brasileira”.

      Naquela noite, Wellington não teve pesadelos. A esperança de mudanças inundou seu coração assim como a crença, em 2014, divulgada pelo mesmo jornal do canal 5, da vitória da seleção brasileira até pouco antes do fatídico sete a um.

     Wellington não ouviu seu podcast, não precisava. Em vez disso ligou o rádio e se deparou com a seguinte notícia: megaempresa de fast food contrata jovens para trabalhar aos fins de semana; carga horária de cinco horas, com possibilidade de expansão, pois dias com movimento precisam de pessoal extra; salário de R$ 4,45 por hora.

      Mais uma vez a tevê falava a verdade, os problemas de Wellington deixariam de existir...

      (...)

      Uniformizado e com um sorriso contagiante, o mais recente empregado trabalhou cinco horas seguidas sem perceber o tempo passar. Wellington não se deu conta, mas sua alegria e dedicação fizeram com que os clientes do local se sentissem muito bem, implicando o retorno outras vezes. Além de vender vários lanches, porções, sucos, refrigerantes, o jovem conseguiu conquistar muitos clientes para a rede de fast food.

      Era hora de comemorar! Wellington tirou seu uniforme e resolver saborear o lanche que mais lhe seduziu enquanto fazia as vendas. Aquele hambúrguer enorme com três fatias de queijo, tomate, alface crocante, cebola e molho especial; e ainda vinha com refrigerante. Wellington sentiu sua boca deliciosamente salivar...

      Foi aí que o feliz trabalhador prestou atenção no preço do sanduíche: R$ 33,00. Wellington sabia fazer contas. Pensou: cinco vezes R$ 4,45 (vinte e cinco, vão dois, vinte mais dois, vinte e dois, vinte mais dois, vinte e dois); total de R$ 22,25.

     Wellington engoliu a saliva, ameaçou derramar uma lágrima, sentiu seu estômago se contorcer, não de fome, mas sim de revolta.

      (...)

      O relógio já marcava uma da manhã. Wellington ouvia um novo podcast: “dez maneiras de ser feliz!”. O último gole do café preto ajudou a empurrar o último pedaço do pão com manteiga que tentava suavizar o nó na garganta, do mais novo trabalhador assalariado que desfrutava do crescimento econômico do país.










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